Como aproveitar os avanços da inteligência artificial para melhores anamneses em hematologia
Como nas demais especialidades médicas, também na hematologia a anamnese é o eixo central da avaliação do paciente. É a partir dela que ganham sentido um hemograma alterado, uma ferritina limítrofe, uma história de sangramentos “sem explicação” ou um episódio de trombose em idade incomum.
Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) evoluiu muito, deixando de ser promessa distante e começando a atuar como uma camada de apoio contínuo ao médico durante a conversa clínica. Ferramentas atuais são capazes de capturar o que é dito na consulta, organizar as informações em tempo real, sugerir aprofundamentos quando há lacunas e entregar um resumo pronto para revisão, sempre sob controle do profissional.
Quando essa tecnologia é bem integrada ao prontuário, o resultado prático é uma anamnese mais completa e um melhor atendimento ao paciente, mais eficiente e preciso.
- O que torna a anamnese em hematologia singular
- Quatro funcionalidades da IA que enriquecem a anamnese em hematologia
- Limites e papel do médico
- Tendências avançadas da IA na hematologia
O que torna a anamnese em hematologia singular
A hematologia é, por natureza, uma especialidade que vive de padrões e cronologias. Pequenas pistas mudam condutas: padrão menstrual e obstétrico; exposição ocupacional (solventes, benzeno); hábitos dietéticos que impactam ferro e B12; viagens recentes (malária); infecções de repetição; cirurgias e transfusões passadas; uso de anticoagulantes/antiagregantes; história familiar (hemofilias, talassemias, trombofilias).
Ao mesmo tempo, sinais de alarme pedem atenção imediata: sangramento ativo, febre com neutropenia, anemia sintomática com repercussão hemodinâmica, dor óssea intensa, perda ponderal não explicada.
Essa densidade de informações, somada à necessidade de acompanhar tendências (hemograma, reticulócitos, ferritina, plaquetas), faz da anamnese um trabalho de “curadoria” clínica. É exatamente aí que os avanços de IA mostram seu valor: transformar dados dispersos em um quadro coerente, sem tirar o foco do paciente.
Quatro funcionalidades da IA que enriquecem a anamnese em hematologia
1) Transcrição da consulta
Uma ferramenta que escuta e transcreve a conversa com o paciente ajuda a reduzir as anotações apressadas durante a consulta e a preservar detalhes do relato que muitas vezes determinam o rumo da investigação, por exemplo: descrição dos sangramentos (epistaxe, gengivorragia, menorragia, hematomas espontâneos), gatilhos (cirurgias, traumas mínimos, anti-inflamatórios), história de “infecções que não resolvem”, episódios trombóticos e respectivos contextos (pós-operatório, puerpério, longos deslocamentos).
Boas práticas:
- Informe o paciente e registre consentimento para a captação de áudio.
- Prefira microfones adequados e ambientes silenciosos para melhor precisão.
- Revise sempre – a validação do médico é mandatória.
2) Organização estruturada de informações de interesse
Com base no histórico prévio, nas anotações feitas durante o atendimento e na transcrição da conversa, a IA classifica informações em campos específicos: sintomas, doenças pregressas, medicamentos em uso, antecedentes familiares e alergias.
Benefícios no dia a dia:
- Reduz “garimpo” no prontuário: o essencial aparece agrupado.
- Facilita a visualização do quadro geral do paciente.
3) Insights clínicos contextuais
Também com base no histórico, anotações e transcrição, a IA pode sugerir insights, de forma não prescritiva, que ajudam a avançar na análise do caso e podem impactar o raciocínio em hematologia.
São listados:
- Sugestões de perguntas
- Exames físicos úteis
- Exames complementares a serem considerados
4) Resumo inteligente com formatação automática
Ao final, a IA consolida o conteúdo em formato padronizado, como Histórico Clínico ou SOAP. Uma grande vantagem da ferramenta de IA integrada ao prontuário eletrônico é poder salvar o resumo gerado direto na ficha do paciente após a revisão, mantendo a segurança e a precisão.
Na prática:
- O médico revisa e edita todo o resumo, fazendo os ajustes necessários.
- O texto revisado é salvo na ficha, agregando ao histórico do paciente.
Limites e papel do médico
A inteligência artificial não substitui empatia, escuta ativa e julgamento clínico. Ela ajuda a não esquecer o que precisa ser perguntado, a registrar melhor as informações de saúde e a visualizar com mais clareza o quadro geral do paciente. A decisão de investigar trombofilia, de postergar ou indicar transfusão, de iniciar anticoagulação, de encaminhar para investigação onco-hematológica, tudo isso continua dependendo do médico hematologista, de cada contexto e de cada paciente.
Tendências avançadas da IA na hematologia
Para além das aplicações de IA já disponíveis para uso no contexto das anamneses, diversos estudos científicos recentes também abordam o uso de aplicações mais avançadas de IA na hematologia.
1) “Geração” de dados e apoio à decisão com IA generativa
Um estudo de 2025, publicado na revista Blood[1], aponta a IA generativa como fronteira para criar dados sintéticos realistas, apoiar redações de laudos e até simular cenários (“digital twins”) para pesquisa e ensino, sempre com validação clínica e métricas robustas.
2) Morfologia com dispositivos aprovados e telepatologia
Uma revisão publicada na revista científica Frontiers in Medicine[2] aborda como soluções já aprovadas pela FDA dos Estados Unidos (CellaVision, Scopio X100) e plataformas como Techcyte/Morphogo automatizam contagem/rotulagem celular de esfregaços periféricos e medula, reduzem o tempo de atendimento total e viabilizam revisão remota, úteis para padronização e expansão de acesso.
3) Citometria de fluxo de próxima geração
A mesma revisão[2] também relata como o DeepFlow, um painel de citometria de fluxo multialgorítmico, se adapta dinamicamente a mudanças nos reagentes e nas configurações do instrumento, reduzindo o tempo necessário para agrupar e analisar com precisão as linhagens celulares para menos de 5 minutos. Além disso, a precisão dos resultados da classificação e do diagnóstico de leucemia usando o DeepFlow em combinação com algoritmos de aprendizado não supervisionado, algoritmos de agrupamento multidimensional e algorítmos Random Forest é quase idêntica à da análise manual. Isso leva a determinações mais rápidas e classificações mais precisas de subpopulações de linfócitos, compensando as deficiências das técnicas tradicionais e melhorando a qualidade e a padronização.
4) Multi-ômica e modelagem preditiva para personalização
No artigo da revista Blood[1], os pesquisadores também relatam como a integração de imagens, histopatologia, dados clínicos e sequenciamento em um único processo sustenta casos de uso como classificação de doença, predição de desfechos e descoberta de biomarcadores, base para estratificação de risco e escolha terapêutica. Já um outro artigo de revisão, com publicação no Annals of Medicine & Surgery[3], destaca o uso de análise genômica assistida por IA e modelos preditivos para evolução e resposta terapêutica em neoplasias hematológicas, impulsionando a medicina de precisão.
5) Fenótipos de plaquetas e eritrócitos (biomarcadores digitais)
Em estudo publicado no Journal of Clinical and Experimental Hematology[4] os pesquisadores relatam como, além da contagem e classificação de células sanguíneas, a IA é capaz de avaliar a morfologia plaquetária, com potencial de prever risco de sangramento/trombose, e a morfologia eritrocitária, para estimar risco de crises em condições como a doença falciforme, e assim orientar intervenções.
Em síntese, a tendência é clara: IA integrada ao fluxo do prontuário e dos laboratórios, da captação de imagem à leitura multi-ômica, para entregar análises e previsões mais ricas e precisas, apoiando hipóteses com evidência quantitativa e sustentando decisões personalizadas, mas sempre mantendo a validação médica como etapa obrigatória.
Os avanços da IA já permitem construir anamneses hematológicas mais completas, estruturadas e orientadas à decisão, ao mesmo tempo em que possibilitam ao hematologista dar mais atenção ao paciente para um atendimento mais humano.
Ao combinar transcrição, organização de dados, insights contextuais e resumos automáticos, você ganha precisão, consistência e tempo. Integrada ao prontuário, a tecnologia deixa de ser um “aplicativo a mais” e passa a ser um instrumento clínico que amplia sua atenção e sua capacidade de acompanhar, com segurança, a evolução de cada caso.
Se o objetivo é cuidar melhor, a IA é a aliada certa, desde que mantida no papel que lhe cabe: ampliar o raciocínio clínico e a qualidade do registro, nunca substituí-los.
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Referências
[1] Artificial Intelligence in Hematology, disponível em Blood.
[2] Optimization of diagnosis and treatment of hematological diseases via artificial intelligence, disponível em Frontiers in Medicine.
[3] Revolutionizing hematological disorder diagnosis: unraveling the role of artificial intelligence, disponível em Annals of Medicine & Surgery.
[4] Artificial intelligence in hematology: A critical perspective, disponível em Journal of Clinical and Experimental Hematology.









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