Como a IA está mudando a dermatologia e facilitando a anamnese em clínicas e consultórios
Na dermatologia, a rotina do médico é moldada por desafios bastante específicos: o diagnóstico frequentemente depende de detalhes visuais minuciosos; a evolução de quadros cutâneos precisa ser acompanhada de modo rigoroso; e cada consulta tende a gerar uma quantidade volumosa de dados, incluindo descrições precisas, imagens clínicas, histórico terapêutico e fatores ambientais.
Em muitos casos, o sucesso do tratamento depende menos de exames sofisticados e mais da capacidade de registrar, organizar e comparar informações aparentemente simples, mas decisivas, como o aspecto de uma lesão meses atrás, ou uma mudança discreta relatada pelo paciente.
Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) generativa está mudando a cara da área de saúde, de grandes laboratórios de pesquisa às salas de exames de clínicas e consultórios de todos os tamanhos.
O avanço da IA na dermatologia, especificamente, tem sido grande, e não se limita ao auxílio diagnóstico via análise de imagens. Uma revolução silenciosa vem ocorrendo no modo como dados clínicos são coletados, documentados e interpretados durante a anamnese e o exame físico.
Esse novo cenário amplia a capacidade do especialista de entregar um atendimento mais completo, seguro e eficiente.
Ao explorar em detalhes as formas como a IA está sendo aplicada à dermatologia, tanto no contexto amplo da especialidade quanto na rotina diária no consultório, este texto oferece uma visão realista, e imediatamente aplicável, de como transformar a prática clínica, melhorar o acompanhamento dos pacientes e valorizar cada informação obtida na consulta.
- Particularidades da anamnese em dermatologia
- Avanços em IA para dermatologia
- IA na anamnese dermatológica
- Ganhos reais no atendimento dermatológico
- Como implementar IA na rotina do consultório de dermatologia
Particularidades da anamnese em dermatologia
A anamnese na consulta dermatológica deve conter dados objetivos e minuciosos, extraídos do exame físico e da entrevista com o paciente. O detalhamento das informações tem valor fundamental para o diagnóstico.
Um erro comum, por exemplo, é subestimar a importância da descrição criteriosa das lesões cutâneas, seus padrões de distribuição, tempo de evolução e fatores desencadeantes.
Considere um paciente com lesões eritematosas de evolução crônica. Uma simples omissão sobre o padrão de recorrência ou ausência de detalhes sobre medicamentos tópicos utilizados anteriormente pode levar a um diagnóstico inadequado e, consequentemente, a um tratamento ineficaz.
Além disso, a dermatologia exige registro de dados que vão além do habitual: exposição solar, história familiar de câncer de pele, uso de cosméticos, hábitos ocupacionais e ainda documentação fotográfica seriada para avaliar evolução.
Avanços em IA para dermatologia
Algumas das aplicações clínicas mais promissoras da IA em dermatologia envolvem condições que os dermatologistas veem todos os dias: câncer de pele, queda de cabelo e erupções cutâneas.
Ferramentas de IA avançadas, empregadas no contexto de pesquisas, já são capazes de classificar lesões pigmentadas, identificar padrões de malignidade e sugerir diagnósticos diferenciais a partir de imagens clínicas e dermatoscópicas, de acordo com estudos científicos publicados recentemente.
Usando IA para identificar câncer de pele
No diagnóstico de câncer, a detecção precoce é fundamental para a sobrevivência. No entanto, o câncer de pele em seus estágios iniciais pode ser difícil de detectar a olho nu.
A análise de imagens médicas com tecnologia de IA está se tornando uma poderosa aliada para o diagnóstico do câncer de pele[1]. Ferramentas de IA treinam com milhões de imagens rotuladas com dados como condição, tratamento e desfecho. A máquina aprende a reconhecer anormalidades sutis que um ser humano pode não perceber. Em um futuro próximo, assistentes de IA podem ser uma ferramenta padrão para dermatologistas que realizam exames de rotina para câncer de pele.
Uma metanálise recente[2] revisou diversos estudos que exploraram se os médicos poderiam detectar o câncer tão bem por conta própria quanto com IA. O estudo constatou que as ferramentas tiveram um impacto estatisticamente significativo tanto na detecção precoce quanto na especificidade do diagnóstico.
Usando IA para diagnosticar e tratar a queda de cabelo
Vários distúrbios podem levar à queda de cabelo. Para desenvolver um plano de tratamento eficaz, o dermatologista precisa entender o diagnóstico, sua gravidade e a receptividade do paciente a determinados tratamentos. Pesquisas sobre o uso de IA para diagnosticar e tratar distúrbios capilares são relativamente novas, mas os primeiros resultados são promissores.
Pesquisadores italianos desenvolveram em 2023 um algoritmo[3] para analisar padrões tricoscópicos usados para classificar e calcular a gravidade da alopecia androgenética. E um pequeno estudo de 2021[4] utilizou com sucesso a IA para prever quais pacientes responderiam ao tratamento para alopecia areata.
Usando IA para identificar erupções cutâneas
Erupções cutâneas são uma queixa comum em consultórios dermatológicos. Elas podem ser uma reação leve a um irritante ambiental ou podem ser um sintoma de uma doença grave.
Modelos de IA estão sendo desenvolvidos para ajudar os médicos a diagnosticar erupções cutâneas rapidamente, mesmo sem ver o paciente pessoalmente. Pesquisadores da Johns Hopkins estão progredindo em um algoritmo que pode reconhecer o eritema migratório[5] associado à doença de Lyme com base apenas em uma fotografia de celular.
Embora esses avanços sejam empolgantes, aplicações cotidianas podem levar algum tempo. Uma análise de 2023[6] descobriu que, embora o aprendizado de máquina tenha feito progressos significativos no reconhecimento e diagnóstico de erupções cutâneas, ele ainda é menos preciso do que um médico experiente.
Há também limitações técnicas relacionadas à qualidade das imagens, diversidade de fototipos de pele e variabilidade das condições reais do consultório, por exemplo.
Além disso, mesmo com a evolução e aprimoramento dessas ferramentas, sempre será imprescindível que o julgamento clínico do dermatologista prevaleça sobre qualquer sugestão automatizada.
IA na anamnese dermatológica
Transcrição e registro automatizado
Durante uma consulta dermatológica, é comum que o paciente relate uma sequência de eventos (por exemplo, surgimento, agravamento ou remissão de lesões, exposição a produtos químicos ou medicamentos, sintomas associados como prurido ou descamação, etc.), inclusive durante a realização do exame físico.
Utilizando sistemas de transcrição por IA, o médico pode conduzir a conversa normalmente, enquanto a ferramenta transforma automaticamente o diálogo em texto, capturando não apenas as queixas principais, mas também detalhes do exame físico, como localização exata, aspecto das lesões, padrão de distribuição e evolução ao longo do tempo.
Isso libera o profissional da digitação manual e de lembrar exatamente tudo que observou no exame para anotar posteriormente, permitindo que ele mantenha contato visual com o paciente, examine a pele com atenção e ajuste o rumo da anamnese conforme necessário, sem risco de omitir informações essenciais por pressa ou sobrecarga.
Geração automática de resumos clínicos
Após o término da consulta, a IA pode organizar todas as informações coletadas em resumos clínicos estruturados, prontos para serem incluídos no prontuário eletrônico. O sistema sintetiza os principais achados da história e do exame físico, sintomas referidos, evolução das lesões e tratamentos já realizados, evitando repetições e garantindo que nenhuma informação relevante fique de fora.
Esses resumos podem ser gerados em diferentes formatos, adaptando-se às preferências do profissional e às exigências institucionais:
- Histórico clínico: modelo clássico de anamnese, com os itens queixa principal, história da doença, histórico médico, história familiar, medicações em uso, alergias, entre outros, útil para consultas subsequentes e para facilitar a revisão do caso ao longo do tempo.
- Modelo SOAP: estrutura padronizada em quatro itens, Subjetivo (relato do paciente), Objetivo (achados do exame físico), Avaliação (interpretação clínica) e Plano (conduta proposta). O modelo SOAP é amplamente utilizado para garantir organização e clareza nos registros, além de agilizar a comunicação multiprofissional.
A capacidade de gerar automaticamente esses resumos reduz significativamente o tempo gasto em documentação, diminui o risco de omissões e padroniza a qualidade das informações inseridas no prontuário.
Em dermatologia, onde o acompanhamento longitudinal de lesões é crucial, a comparação entre resumos sucessivos auxilia a identificar mudanças discretas e avaliar a efetividade das condutas adotadas.
Sugestões para avançar na investigação
Outra aplicação relevante é a capacidade da IA de sugerir perguntas de acompanhamento ou exames físicos e complementares a serem realizados baseados nas informações já coletadas. Por exemplo, se é relatado que o paciente apresenta lesões em áreas expostas ao sol, pode sugerir perguntas sobre hábitos de proteção solar, histórico de queimaduras solares ou uso de câmaras de bronzeamento artificial. Se há suspeita de dermatite de contato, o próprio sistema pode lembrar o médico de investigar exposição a metais, cosméticos ou produtos químicos específicos.
Essas sugestões funcionam como um checklist dinâmico, adaptando-se ao contexto do paciente, reduzindo esquecimentos e ajudando a avançar na análise clínica do caso.
Ganhos reais no atendimento dermatológico
A adoção da IA na rotina do dermatologista resulta em benefícios tangíveis, tanto para ele quanto para o paciente:
- Eficiência e qualidade: redução drástica do tempo gasto com registros, com aumento da completude e precisão das informações, permitindo que o profissional foque no raciocínio clínico e na comunicação com o paciente.
- Segurança diagnóstica: com anamnese e descrições padronizadas, diminui-se o risco de erros, omissões ou interpretações equivocadas, principalmente em acompanhamentos de longo prazo.
- Acompanhamento evolutivo aprimorado: registros textuais e fotográficos estruturados possibilitam identificar com clareza quaisquer alterações nas lesões ao longo do tempo, essencial para doenças crônicas e vigilância oncológica.
- Integração multiprofissional: dados padronizados e imagens organizadas facilitam a comunicação entre diferentes profissionais, especialmente em casos que exigem discussão multidisciplinar ou segunda opinião.
Como implementar IA na rotina do consultório de dermatologia
Para o dermatologista que deseja adotar essas soluções, o primeiro passo é mapear seus principais gargalos: digitação demorada, perda de informações, dificuldade de padronizar registros, entre outros. A partir daí, é possível escolher ferramentas já disponíveis no mercado, como sistemas de prontuário eletrônico que ofereçam a inteligência artificial integrada, com transcrição por voz, sugestões inteligentes e geração de resumos.
É importante que o profissional esteja preparado para lidar com fluxos baseados em IA: o consentimento informado para uso dessas tecnologias, principalmente a transcrição, deve ser sempre respeitado, e o médico deve revisar todos os dados gerados pela IA antes de validar o prontuário final.
A presença crescente da inteligência artificial na dermatologia não significa delegar o diagnóstico ou o atendimento à máquina, mas sim utilizar o melhor da tecnologia para potencializar o atendimento e a relação médico-paciente. O profissional ganha tempo, qualidade de vida e capacidade de se aprofundar nos casos mais complexos, enquanto o paciente recebe um cuidado mais seguro, documentado e personalizado.
No horizonte próximo, veremos algoritmos ainda mais precisos para análise de dados multimodais (texto, imagem, exames laboratoriais) e diagnóstico, trazendo para a realidade dos consultórios os avanços que hoje estão nas fases de pesquisa.
Adotar a IA no consultório de dermatologia hoje é mais do que modernizar processos: é investir na excelência do cuidado, na segurança do paciente e no futuro da especialidade.
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Referências
[1] Artificial intelligence and machine learning algorithms for early detection of skin cancer in community and primary care settings: a systematic review, disponível em The Lancet Digital Health.
[2] A systematic review and meta-analysis of artificial intelligence versus clinicians for skin cancer diagnosis, disponível em npj Digital Medicine.
[3] A Machine Learning Algorithm Applied to Trichoscopy for Androgenic Alopecia Staging and Severity Assessment, disponível em Dermatology Practical & Conceptual.
[4] Use of Artificial Intelligence as a Predictor of the Response to Treatment in Alopecia Areata, disponível em iProceedings.
[5] Research Story Tip: AI and Deep Learning Can Analyze ‘Rash Selfies’ for Better Lyme Disease Detection, disponível em Johns Hopkins Medicine.
[6] Exploring the potential of artificial intelligence in improving skin lesion diagnosis in primary care, disponível em Scientific Reports.