Como a integração de IA à anamnese favorece diagnósticos precoces na cardiologia
A cardiologia é uma das áreas médicas mais dinâmicas, pois lida com condições que podem evoluir rapidamente e colocar a vida do paciente em risco se não forem diagnosticadas precocemente. Isso faz com que a anamnese exerça papel central: por meio dela, o cardiologista identifica fatores de risco, sintomas iniciais e possíveis complicações já instaladas.
No entanto, a prática clínica exige mais do que apenas conversar com o paciente; hoje, o volume de dados disponíveis, desde histórico familiar até registros médicos e dados de dispositivos de monitoramento, cresce exponencialmente. É justamente aí que a inteligência artificial (IA) se torna uma aliada valiosa, ajudando a analisar todos esses dados para aprimorar a anamnese e permitir diagnósticos mais precoces e precisos.
Neste artigo você confere:
- A importância da anamnese na cardiologia
- Particularidades da anamnese na consulta de cardiologia
- Como a IA pode otimizar a coleta de dados para a anamnese
- Integração com dados históricos do prontuário eletrônico
- IA como aliada no diagnóstico precoce
- Impacto na precisão e no fluxo de trabalho do cardiologista
A importância da anamnese na cardiologia
A anamnese é muito mais do que um simples questionário; ela representa o momento de interação entre profissional de saúde e paciente, permitindo levantar pistas cruciais para um diagnóstico correto e uma condução terapêutica eficaz.
Na cardiologia, esse processo ganha relevância ainda maior, pois muitos sinais de alerta podem ser sutis ou inespecíficos. Por exemplo, um paciente pode relatar fadiga ou palpitações esporádicas sem dar a devida importância, e esses sintomas serem, na verdade, indicativos de alterações cardíacas relevantes.
Além disso, conhecer comorbidades associadas, como hipertensão, diabetes e dislipidemia, ou hábitos de vida como tabagismo, sedentarismo e alimentação inadequada, é essencial. Todos esses fatores influenciam diretamente o risco de doenças cardiovasculares.
Entretanto, devido ao alto volume de pacientes e à extensão das informações necessárias, a anamnese pode se tornar uma etapa propensa a lacunas e falhas de registro. É nesse ponto que a IA se destaca ao fornecer soluções que auxiliam na organização, análise e correlação de dados, otimizando a prática clínica.
Particularidades da anamnese na consulta de cardiologia
A anamnese na cardiologia possui nuances que a diferenciam de outras especialidades. Primeiramente, os sintomas podem ser silenciosos e, às vezes, confundidos com problemas respiratórios, musculares ou, até mesmo, emocionais. Portanto, é preciso um roteiro bem estruturado que explore especificamente sintomas como dispneia, fadiga, palpitações, tonturas e dores no peito, identificando também a intensidade, duração e frequência de cada um.
Outro ponto relevante é o histórico familiar de doenças como infarto, insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral, pois a herança genética desempenha papel significativo no risco cardiovascular. Soma-se a isso a importância de investigar hábitos cotidianos (sono, atividade física, estresse, alimentação) que influenciam diretamente a função cardíaca.
Assim, ao conduzir a anamnese, o cardiologista precisa explorar uma ampla variedade de aspectos, o que reforça a necessidade de ferramentas de apoio que auxiliem na coleta e análise de tantas variáveis.
Como a IA pode otimizar a coleta de dados para a anamnese
A inteligência artificial aplicada ao processo de anamnese vai muito além de um formulário eletrônico. Com recursos de Processamento de Linguagem Natural (PLN), por exemplo, é possível “ler” e interpretar anotações livres feitas pelos médicos em prontuários, extraindo informações relevantes de maneira automatizada.
Dessa forma, se o paciente relatou dores no peito nas últimas consultas, um sistema inteligente poderia identificar a recorrência desse sintoma e sugerir ao profissional que investigue aspectos adicionais ou realize exames específicos.
Outro benefício é a implementação de questionários dinâmicos, em que cada resposta do paciente gera perguntas adicionais direcionadas, permitindo uma coleta de dados mais consistente. Sistemas de IA podem identificar lacunas na anamnese, sugerindo perguntas que muitas vezes poderiam deixar de ser feitas no ambiente corrido de atendimentos.
Integração com dados históricos do prontuário eletrônico
A análise longitudinal dos dados é uma das grandes vantagens do uso de IA na anamnese. Quando o prontuário eletrônico do paciente contém informações de atendimentos passados, exames, medicamentos prescritos e reações adversas, um sistema de IA pode cruzar esses dados e fornecer insights mais aprofundados.
Por exemplo, se o paciente teve um histórico de hipertensão mal controlada nos últimos anos e apresenta, agora, queixas de cansaço ao mínimo esforço, a IA pode sinalizar que há um risco elevado de insuficiência cardíaca.
Esse cruzamento inteligente permite criar um “histórico unificado do risco”, no qual fatores como idade, perfil lipídico, pressão arterial, tabagismo e antecedentes familiares são constantemente reavaliados, resultando em insights que chamam a atenção do médico para mudanças potenciais no quadro.
Além de agilizar o processo de decisão, essa análise robusta diminui o risco de subdiagnóstico ou de omissão de dados relevantes.
IA como aliada no diagnóstico precoce
Diagnosticar doenças cardíacas em fases iniciais muitas vezes requer a identificação de padrões que passam despercebidos na análise manual de dados. É nesse ponto que a IA se mostra especialmente eficaz, pois algoritmos de machine learning podem aprender a reconhecer sinais sutis em parâmetros clínicos e laboratoriais, oferecendo insights que ajudam a formular hipóteses diagnósticas precoces.
Um exemplo é o estudo recente publicado no BMJ Journals – Heart[1], que indica que a avaliação de parâmetros vasculares da retina pode oferecer grande valor preditivo para eventos cerebrovasculares e possivelmente cardiovasculares. Conforme o artigo publicado, uma análise da coorte do UK Biobank (45.161 participantes, acompanhados ao longo de 12,5 anos) demonstrou que 29 parâmetros retinianos, sobretudo relacionados à densidade e calibre dos vasos, elevaram a precisão do modelo de predição de risco de AVC de 0,739 para 0,752 quando comparados apenas aos fatores de risco tradicionais. Esses achados abrem caminho para o uso de IA na correlação de dados da retina com a saúde cardiovascular, oferecendo uma triagem não invasiva e com potencial de ampla aplicabilidade clínica.
Outro exemplo prático de sucesso inclui o reconhecimento mais rápido de eventos isquêmicos, como o infarto agudo do miocárdio. Um estudo publicado no NEJM AI em 2024 reforça essa perspectiva[2]. O ensaio clínico randomizado e controlado, realizado com 43.234 pacientes no Tri-Service General Hospital em Taipei, demonstrou que a IA aplicada à análise de eletrocardiogramas (AI-ECG) foi capaz de reduzir significativamente o tempo desde a entrada do paciente no hospital até o tratamento (door-to-balloon time), sobretudo em casos de STEMI (infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST).
De acordo com o estudo, o grupo que recebeu a avaliação assistida por IA alcançou uma mediana de 82 minutos para door-to-balloon na emergência, enquanto o grupo de controle, tratado com os métodos convencionais, registrou 96 minutos. Além disso, a mediana de tempo desde o ECG até o tratamento (ECG-to-balloon time) considerando emergências e internações foi 78 minutos no grupo IA contra 83,6 minutos no grupo controle. O impacto foi observado em indicadores clínicos relevantes, como a redução de óbitos por causas cardíacas (85 casos no grupo de intervenção versus 116 casos no grupo controle), o que reforça o potencial da IA em favorecer diagnósticos precoces e intervenções oportunas.
Adicionalmente, ferramentas de pontuação de risco cardiovascular, tradicionais na prática clínica, podem ser potencializadas pela IA. As variáveis de entrada (pressão arterial, colesterol total, HDL, LDL, glicemia, tabagismo e histórico familiar) podem ser analisadas em conjunto com dados adicionais, como variabilidade de frequência cardíaca captada por dispositivos portáteis, aumentando a precisão da pontuação. Como resultado, o profissional tem uma visão mais completa do risco, facilitando medidas preventivas ou diagnósticas em estágios em que o tratamento é mais efetivo.
Impacto na precisão e no fluxo de trabalho do cardiologista
A anamnese é muitas vezes subestimada em termos de complexidade, demandando tempo e atenção a cada detalhe. A adoção de sistemas de IA na fase de coleta, análise e integração dos dados ajuda o cardiologista a tomar decisões com maior segurança e eficiência.
Ao automatizar processos repetitivos e organizar informações relevantes, a IA reduz o risco de viés humano ou falhas de registro, fornecendo um panorama mais completo do estado de saúde do paciente.
No fluxo de trabalho, isso se traduz em consultas mais objetivas e produtivas, nas quais o cardiologista pode se aprofundar em questões mais complexas, enquanto o sistema sugere pontos de atenção.
Esse equilíbrio entre suporte tecnológico e expertise médica tende a acelerar a confirmação diagnóstica, otimizar a indicação de exames complementares e favorecer a instituição de tratamentos oportunos.
A cardiologia, por sua própria natureza, exige uma ficha de anamnese minuciosa e uma análise de dados abrangente. Os avanços em inteligência artificial oferecem soluções que vão ao encontro dessas demandas, aliviando parte da carga do cardiologista e ampliando a precisão diagnóstica. Com a IA, é possível coletar e avaliar informações de forma mais estruturada, antecipar riscos e personalizar o atendimento, tornando a prática médica mais eficiente e centrada no paciente.
Integrar um sistema de inteligência artificial ao prontuário eletrônico representa não apenas um salto tecnológico, mas também uma oportunidade de melhoria contínua na qualidade do cuidado em cardiologia. Quando o processo de anamnese ganha qualidade e precisão, o maior beneficiado é, sem dúvida, o paciente.
O futuro da cardiologia tende a ser cada vez mais orientado por dados e insights gerados por sistemas inteligentes, garantindo maior segurança, precisão e humanização no atendimento.
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Referências
[1] Yusufu, M., et al. (2025). "Retinal vascular fingerprints predict incident stroke: findings from the UK Biobank cohort study." Heart, publicado online primeiro: 13 de janeiro de 2025.
[2] Lin, C., et al. (2024). "Artificial Intelligence–Powered Rapid Identification of ST-Elevation Myocardial Infarction via Electrocardiogram (ARISE) — A Pragmatic Randomized Controlled Trial." NEJM AI, 1(7).