Humanismo na telemedicina - como criar uma conexão com o paciente durante a teleconsulta
A pandemia de COVID-19 abalou os cuidados de saúde, com a telemedicina surgindo como uma estratégia para reduzir as exposições ao risco para pacientes e médicos. Com origem na raiz grega tēle-, tēl-, que significa “longe, distante, à distância”, a telemedicina engloba serviços clínicos virtuais.
As consultas por vídeo, em particular, podem ser eficazes para muitos tipos de atendimento clínico e oferecem comodidade e economia para os pacientes. À medida que o atendimento nessa modalidade virtual cresce, no entanto, existe o risco de comprometimento da interação humana significativa, que é fundamental para o atendimento clínico e traz impacto tanto para pacientes quanto para médicos.
Os desafios de comunicação da telemedicina, agravados pelo estresse relacionado à COVID-19, exigem estratégias para ajudar os médicos a criar interações significativas com os pacientes durante as teleconsultas.
Neste contexto, a iniciativa Presence 5, da Stanford Medicine, foi criada com o objetivo de garantir que as teleconsultas mantenham um toque humano.
“O relacionamento que construímos com os pacientes é fundamental para a saúde dos pacientes e para o bem-estar dos médicos”, disse Megha Shankar, MD, pesquisadora em cuidados primários e resultados. “Nós estávamos nos perguntando: ‘como podemos manter esse relacionamento através do computador ou telefone?’”
Ela e sua equipe então elaboraram um plano de cinco etapas para se conectar remotamente com pacientes, que descreveram em um artigo na Annals of Family Medicine COVID-19 Collection e também artigo publicado no JAMA.
“Você não pode simplesmente pegar sua rotina normal e colocá-la online”, disse Shankar. “Você tem que mudar sua interação.”
Apesar de algumas potenciais desvantagens, a telemedicina tem vantagens interessantes: alguns pacientes compartilharão mais sobre assuntos delicados durante uma consulta remota, talvez porque se sintam mais à vontade em casa do que em um consultório médico, segundo Shankar.
“Uma teleconsulta pode ser como nos velhos tempos, quando os médicos faziam visitas domiciliares”, disse Shankar.
Ela acrescentou que a mensagem mais importante para os médicos que usam a telemedicina é ouvir bem. “Deixe o paciente contar sua história o máximo que puder”, disse ela. “Ouvir toda a história pode mudar todo o curso da consulta – e os resultados de saúde”.
A proposta desenvolvida por ela e outros médicos e pesquisadores contém diretrizes baseadas em evidências para promover o humanismo e a conexão no atendimento clínico. Reconceituar essa estrutura para consultas por vídeo oferece várias estratégias alinhadas às práticas da Presence 5: preparar-se com intenção, ouvir atentamente e completamente, concordar sobre o que mais importa, conectar-se com a história do paciente e explorar pistas emocionais.
Priorizar práticas humanísticas explícitas pode ajudar os médicos a promover conexões virtuais significativas com os pacientes em meio a essa pandemia desafiadora e no futuro, à medida que a telemedicina se tornar mais amplamente integrada ao atendimento clínico.
Confira na imagem abaixo um resumo das estratégias que podem ser adotadas para maior humanismo na telemedicina, de acordo com o Presence 5. Abaixo da imagem, leia mais sobre cada estratégia.
Prepare-se com intenção
“É muito mais importante saber que tipo de paciente tem uma doença do que que tipo de doença um paciente tem.” – William Osler
A preparação física e psicológica antes de uma teleconsulta cria a base para uma interação de alta qualidade e uma consulta mais produtiva. Durante esse período de crise, os médicos podem fazer malabarismos com grandes volumes de teleconsultas consecutivas e com maiores necessidades familiares e/ou trabalhando em casa.
Revigorar-se entre as consultas por meio de um ritual personalizado, como levantar-se ou respirar fundo algumas vezes, pode ajudar o médico a recarregar as energias e focar sua atenção.
Uma breve revisão do histórico do paciente antes de iniciar uma consulta pode aumentar a familiarização com as principais informações médicas sobre um paciente e sua história e circunstâncias de vida.
Antes da consulta, também é importante verificar os equipamentos audiovisuais e garantir um ambiente tranquilo para facilitar uma teleconsulta calma e consciente.
Outra dica importante é reduzir as distrações tecnológicas desativando notificações do celular ou computador para que não desviem a atenção durante o atendimento.
Ouça atentamente e completamente
“Falar é a província do conhecimento. E é o privilégio da sabedoria ouvir.” – Oliver Wendell Holmes
A escuta atenta oferece uma oportunidade de estabelecer um tom de respeito e uma maior conexão para a interação virtual. Várias estratégias não verbais podem promover o humanismo em meio às relações digitais, incluindo sentar-se ereto e inclinar-se para a frente para mostrar interesse, acenar com a cabeça para sinalizar que está ouvindo, otimizar o contato visual olhando periodicamente diretamente para a câmera e permanecer sentado dentro do quadro da câmera.
Deixe o paciente contar sua história; se a tecnologia gerar atraso de tempo, aguarde três segundos antes de responder para evitar apressar o paciente. A rápida transição para novas tecnologias e novos modos de interação em meio a uma pandemia é um desafio para todos; quando surgem frustrações técnicas, o reconhecimento do problema e sua solução ajudarão a construir a confiança do paciente na telemedicina como meio de atendimento.
Concorde sobre o que mais importa
“Se você quer ir rápido, vá sozinho. Se você quer ir longe, vá junto.” – Provérbio Africano
No início da conversa, os profissionais devem descrever o fluxo de uma teleconsulta e definir uma agenda compartilhada que incorpore as metas e prioridades do paciente.
Use perguntas abertas e reforce o plano utilizando o método “ensine de volta”, que pede um retorno do paciente sobre as explicações, e informando os locais disponíveis para maior interação com o sistema de saúde. Isso pode garantir que as prioridades e hesitações dos pacientes com o atendimento virtual sejam abordadas.
Conecte-se com a história do paciente
“Devemos ver em cada pessoa um universo com seus próprios segredos, com seus próprios tesouros, com suas próprias fontes de angústia e com alguma medida de triunfo.” – Elie Wiesel
De muitas maneiras, uma teleconsulta é um convite para a casa de um paciente, oferecendo ao médico a oportunidade de ver membros da família, animais de estimação e pertences importantes para a identidade da pessoa sob seus cuidados.
Os médicos devem pedir aos indivíduos presentes que se apresentem e considerem as questões de privacidade, perguntando se os pacientes se sentem à vontade para discutir suas preocupações de saúde com outras pessoas na sala. Essas interações podem destacar informações valiosas sobre as fontes de apoio emocional e tangível do paciente para questões relacionadas à saúde.
Os médicos devem estar atentos a certos riscos decorrentes do distanciamento físico e das diretrizes de permanência em casa. As consultas por vídeo podem ser usadas para avaliar um paciente quanto a preocupações que podem aumentar em tempos de crise, como instabilidade de moradia, insegurança alimentar e medicamentosa, uso de substâncias e violência por parceiro íntimo (esta última devendo ser tratada com cautela, reconhecendo as preocupações com a privacidade).
Explore pistas emocionais
“As pessoas vão esquecer o que você fez, mas elas nunca vão esquecer como você as fez sentir.” – Maya Angelou
Apesar da distância imposta pela tecnologia, os médicos podem sintonizar as pistas emocionais que se manifestam por meio de expressões faciais, linguagem corporal e mudanças no tom e volume verbal.
Embora não seja possível oferecer um lenço de papel ou uma mão reconfortante no ombro na consulta por vídeo, contato visual e reconhecimento verbal das emoções (por exemplo, “eu posso ver que isso é difícil para você” ou “escutando você, me parece que você está preocupado”) podem ser substitutos eficazes no âmbito do atendimento virtual, e devem ser usados com frequência para garantir que os pacientes se sintam ouvidos e que suas emoções sejam validadas.
Os médicos também podem usar sua própria linguagem corporal, por exemplo, colocando a mão sobre o coração, para transmitir emoção.
A incerteza e o estresse causados pela COVID-19 continuarão a gerar demandas implacáveis na força de trabalho da saúde, mas o humanismo é mais importante do que nunca. Embora o atendimento virtual impeça o contato físico que é central para a prática da medicina, estratégias específicas podem ajudar os médicos a promover conexões significativas com os pacientes durante os encontros baseados em vídeo.
A integração de princípios humanísticos à telemedicina ajudará os médicos e os pacientes a suportarem melhor esse período desafiador, com segurança, à distância, mas juntos.
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