Como a Realidade Virtual está sendo usada na Medicina
Você provavelmente já ouviu falar em Realidade Virtual, quase certamente em relação a jogos e produtos de entretenimento. Mas o que mais há por trás desta tecnologia que faz com que ela seja um dos assuntos mais discutidos atualmente? Quais são seus outros potenciais? Primeiramente, é importante deixarmos claro o conceito de realidade virtual:
“Realidade virtual é uma tecnologia de interface entre um usuário e um sistema operacional através de recursos gráficos 3D ou imagens 360º cujo objetivo é criar a sensação de presença em um ambiente virtual diferente do real. Para isso, essa interação é realizada em tempo real, com o uso de técnicas e de equipamentos computacionais que ajudem na ampliação do sentimento de presença do usuário no ambiente virtual. Esta sensação de presença é usualmente referida como imersão.” - Wikipédia
Este ambiente virtual pode induzir efeitos visuais, sonoros a até táteis, incluindo ou não a interação do usuário. A realidade virtual tem como base displays estereoscópicos como óculos e headsets, havendo diversos modelos diferentes e diversas combinações com outros dispositivos para gerar maior interatividade.
A tecnologia de realidade virtual tem precedência não apenas sobre o entretenimento, mas também tem ganhado espaço lentamente em outras esferas. De acordo com as projeções dos analistas da Goldman Sachs[1], a realidade virtual será ativamente integrada aos próximos oito setores-chave da indústria: saúde, mercado imobiliário, varejo, eventos, produção de vídeos, educação, engenharia e exército. Então, falando na área de saúde, quão longe a realidade virtual já chegou no âmbito da medicina e o que podemos esperar no futuro?
De acordo com o relatório da empresa de consultoria Industry ARC[2], o mercado de realidade virtual e aumentada em medicina chegará a 2,54 milhões de dólares até o ano de 2020. Com base em suas pesquisas, especialistas estão focados agora em duas direções principais: treinamento para médicos e reabilitação de pacientes.
Listamos neste artigo as principais aplicações atuais da Realidade Virtual na medicina:
Gerenciamento de dor e ansiedade
A realidade virtual tem se mostrado eficiente para impedir que o cérebro processe a dor e para que reduza ansiedade nos pacientes hospitalizados. Há vários softwares criados para desviar a mente dos pacientes doentes para se concentrarem em mundos de realidade virtual, o que pode ajudá-los a aliviar o estresse.
Um exemplo é o Oncomfort:
“O Oncomfort aproveita a tecnologia de realidade virtual para ajudar a treinar pacientes em técnicas de gerenciamento de estresse, dar a eles informações fáceis de entender e ajudá-los a se sentirem mais controlados, calmos e confortáveis.” – Diane Jooris
Em pacientes passando por quimioterapia, por exemplo, o uso de realidade virtual durante o procedimento reduz a ansiedade e distrai o paciente da dor, tornando o procedimento menos desconfortável de modo geral. Também há usos em pacientes que sofrem de dor crônica, como é o caso do Karuna Labs, empresa que desenvolve softwares de realidade virtual para tratamento desse tipo de dor. Em vez de distrair o paciente da dor, este tratamento investe na capacidade do cérebro de programar novas conexões neurais que compensam a dor através da neuroplasticidade.
Combate à perda de memória
Para tratar pacientes que sofrem de perda de memória por doenças ou lesões é crucial compreender como as memórias são formadas no cérebro. É isto o que uma equipe de neurocientistas está tentando descobrir na Faculdade de Medicina da UCLA.
A equipe, composta por neurocientistas, engenheiros e psiquiatras, começou em 2015 e une o uso de um implante cirúrgico de uma neuro-prótese com equipamento de realidade virtual para correlacionar as oscilações cerebrais com as tarefas que realizam. Através destas investigações, a equipe espera desenvolver terapias para pacientes com distúrbios de memória, como a doença de Alzheimer.
Tratamento do autismo
O uso de realidade virtual tem sido estudado para auxiliar pessoas com autismo a se comunicar melhor. Estas terapias ajudam o paciente autista a desenvolver habilidades sociais e comunicativas, com treinamento de reações apropriadas de expressões faciais e corporais.
Em contraste com experiências da vida real, o uso da simulação virtual é apresentado como uma forma pouco ameaçadora do paciente praticar diferentes maneiras de conectar-se com o mundo social do qual ele se sente excluído, de modo que consiga desenvolver as habilidades sociais para levar uma vida mais independente.
Auxílio na saúde mental
A realidade virtual está encontrando amplo espaço nas áreas de psicologia e psiquiatria, ajudando pacientes a lidar com diversas condições e com potencial para diminuir a dependência do tratamento farmacológico em alguns casos. Existem experimentos usando realidade virtual no transtorno bipolar, colocando o paciente em situações virtuais que normalmente desencadeiam reações específicas, para treinar como lidar com elas. Este tipo de terapia de exposição também é utilizado em pacientes com fobias, colocando-os em contato com seus medos, pessoas com transtorno de estresse pós-traumático, além de pessoas com ansiedade e outras condições de saúde mental.
A ideia é expor o paciente a situações controladas que ativam sua ansiedade, estresse, pânico, etc., para que ele possa trabalhar o controle nessas situações e encontrar meios de lidar melhor com elas. A terapia com realidade virtual ocorre sempre em conjunto com a terapia convencional e sob supervisão de um profissional.
Recuperação de pacientes com problemas nos movimentos
A companhia MindMaze já utiliza a tecnologia de realidade virtual para reabilitação de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral grave. O sistema que eles desenvolveram mostra às pessoas seus personagens virtuais que repetem todos os movimentos realizados e faz o usuário realizar alguns exercícios específicos, ativando as partes danificadas do cérebro e vias neurais.
Pesquisadores da Duke University também estão trabalhando no uso de simulação baseada em realidade virtual para treinar seus pacientes com lesões graves na medula espinhal no uso de um traje robótico controlado por ondas cerebrais.
O projeto foi responsável pelo pontapé inicial na Copa Brasil 2014, feito por um jovem paraplégico com o uso do exoesqueleto controlado por ondas cerebrais.
Treinamento de novos médicos
Um dos grandes usos atuais da realidade virtual é para o treinamento de novos médicos. Ela já é usada em escolas de medicina e outros ambientes semelhantes como meio de educação e instrução, permitindo que os estudantes adquiram conhecimento e compreensão sobre o corpo humano por meio da interação em um ambiente virtual.
Os estudantes de medicina podem realizar procedimentos “manuais”, mas em um ambiente seguro e controlado. Com a realidade virtual, eles podem cometer erros – e aprender com eles – em um ambiente onde não há risco para o paciente. Os estudantes interagem com um paciente virtual e, como resultado disso, aprendem habilidades que podem aplicar no mundo real.
Além da participação em procedimentos virtuais, a tecnologia de realidade virtual também possibilita a criação de vídeos médicos em 360 graus. Isso significa que os estudantes de medicina podem participar de operações e ver os diferentes elementos (por exemplo, um órgão) de vários ângulos. Isso é particularmente útil em cirurgias complicadas, como cirurgia cardíaca aberta ou cirurgia cerebral, para ver exatamente o que pode acontecer em condições reais.
Planejamento cirúrgico
Um dos elementos mais promissores que a realidade virtual traz para a indústria médica é o uso de modelos 3D por médicos para planejar cirurgias. Visualizar um órgão tridimensional e complexo representado em uma interface bidimensional não dá a concepção completa da estrutura. Essa é uma das principais razões pelas quais os gráficos de 360 graus vêm à tona e também é uma maneira melhor para os pacientes e médicos se comunicarem.
Antes de qualquer operação, os cirurgiões precisam obter as imagens mais precisas possíveis da parte do corpo que será operada. Por exemplo, a Universidade de Basel desenvolveu uma tecnologia que emprega tomografia computadorizada para gerar imagens tridimensionais em tempo real para uso em um espaço virtual.
Com a realidade virtual, os cirurgiões podem usar versões mais recentes de óculos de realidade virtual para interagir em um espaço tridimensional com o órgão que requer tratamento cirúrgico, visualizá-lo de qualquer ângulo desejado e alternar entre visualização 3D e as imagens reais de tomografia, se preparando melhor para o procedimento que será realizado.
Modelagem 3D na comunicação entre médicos e pacientes
A modelagem 3D de órgãos ainda é útil para facilitar a comunicação entre médicos e pacientes. A Universidade de Stanford e a Lighthouse Inc., por exemplo, desenvolveram o Stanford Virtual Heart. Eles usaram gráficos 360º no coração modelado para exibir defeitos cardíacos congênitos e muito mais.
Ser capaz de explicar de forma eloquente e precisa como algo funciona é essencial se você tiver qualquer tipo de profissão em que a responsabilidade com a saúde de outras pessoas esteja envolvida. Com a realidade virtual, agora é possível analisar profundamente o corpo humano e explorar todas as células e organismos.
Ao longo dos últimos 50 anos, as capacidades da ciência, saúde e medicina expandiram-se significativamente e tecnologias como a Realidade Virtual estão encontrando um número crescente de aplicações na indústria médica. Na verdade, já existem inúmeros projetos, juntamente com uma variedade de fornecedores comerciais, que oferecem soluções para médicos, hospitais e pacientes, e muito mais irá surgir nos próximos anos, certamente.
Referências
[1] Virtual & Augmented Reality: The Next Big Computing Platform?, disponível em Goldman Sachs.
[2] Augmented Reality & Virtual Reality in Healthcare Market, disponível em Industry ARC.